terça-feira, 23 de março de 2010

O caminho da carne, do pasto ao prato

Este post é mais dedicado aos consumidores que aos pecuaristas de gado de corte. Estes já conhecem os prejuízos de não adotarem bons procedimentos de manejo: quando o animal é abatido, falhas, tanto na fazenda, quanto no frigorífico, alteram a qualidade da carne e os ganhos do produtor.
Quanto aos consumidores, poucos conhecem o caminho da carne ao supermercado ou açougue. E, ao adquirirem um produto cujo protocolo no trato com os animais e no abate não seja conhecido, estão contribuindo para uma cadeia produtiva não-sustentável, que gera atrasos para a pecuária nacional e sofrimento desnecessário aos animais.
Acompanhe os seis passos listados e conheça um pouco mais sobre a carne que consumimos:


  1. Tudo começa na fazenda: o produtor investe por, no mínimo, dois anos em medicamentos, alimentação de qualidade (suplementos e manejo de pastagens) e manejo com o gado (os animais precisam ser vacinados, vermifugados, marcados e pesados com frequência. Para isso, são necessárias instalações corretas e equipe qualificada). Quando o animal atinge a média de 400 kg, ele já pode ser enviado ao frigorífico.


  2. Da fazenda, partem os caminhões que transportam os animais: podem ser por distâncias de 20 km ou 700 km. O embarque merece atenção redobrada: muitos peões e motoristas não sabem que o uso de choque e ferrões para embarcar os bovinos, além de quedas e pisoteamentos, geram dor e hematomas. Se os animais sofrem muito estresse, o ph da carne pode ser alterado, afetando a qualidade do produto. A carne, com um ph alto, pode se tornar dura, escura e seca. Para isso, é necessário treinar motoristas, para que dirijam com calma quando estiverem transportando os animais, e investir em caminhões apropriados. Abaixo, imagem de um manejo adequado:


  3. No frigorífico, os animais esperam por 24 horas antes do abate. Esta etapa pode ser estressante para funcionários e bovinos. Frigoríficos de grande porte têm uma escala de até 2 mil abates diários. Concentrar tantos animais num único ambiente e manter a lógica de “linha de produção” pode chocar-se com o comportamento social dos animais. Para que isso não ocorra, profissionais que conheçam esse comportamento precisam manejar os bovinos com calma, sem utilizar bastões, ferrões ou choques. O uso destes “instrumentos” gera quedas, pisoteamentos e, ironicamente, atrasos na linha de abate - ou seja, prejuízos.

  4. Chegada a hora, os animais são enviados para a sala de insensibilização, onde são atingidos na região frontal do crânio com uma pistola pneumática. Insensibilizado, o animal não sente dor, mas mantém os sinais vitais. Do tronco de contenção, é levado para a sangria, onde a morte ocorre de fato. Este momento é delicado: se a insensibilização não é feita corretamente, o animal é sangrado ainda sentindo os sinais vitais, ou seja, capaz de sentir dor.

  5. Depois do frigorífico, a carne é revendida para supermercados e açougues. Redes varejistas como Carrefour, Pão de Açúcar e Wal Mart desenvolveram programas para comprarem carne cujo protocolo adotado no manejo com o animal, desde o nascimento até o abate, seja aprovado no quesito boas práticas.

  6. Carne certificada ou rastreada é uma forma do consumidor garantir que está comprando um produto que não gerou sofrimento no animal. No Brasil, cerca de 40% dos abates são clandestinos, sem fiscalização sobre os métodos de insensibilização empregados e condições sanitárias do armazenamento e manuseio da carne. O principal destino de produtos oriundos deste tipo de abate clandestino são mercados menos exigentes, como açougues, feiras e pequeno comércio informal (Mathias, 2008).

sexta-feira, 5 de março de 2010

Brasil deixa de arrecadar R$ 50 milhões anuais ao exportar gado em pé

Atualmente, o Brasil tem no porto do Pará o principal estado exportador de bovinos vivos. No último ano, o maior comprador foi o Líbano, que importou cerca de 400 mil cabeças, a um preço de R$ 367 milhões. Exportando animais vivos, o Brasil deixou de arrecadar 14% a mais, caso exportasse a carne congelada e o couro processado, como faz para outros mercados.
As informações fazem parte do estudo Desvantagens da Exportação de Gado em Pé, realizado pelo economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro Reinaldo Gonçalves, encomendado pela WSPA (Sociedade Mundial de Proteção Animal).
O economista aponta as desvantagens, para a cadeia produtiva nacional, da exportação de matéria-prima e aponta que o setor de produção de couro, as indústrias de alimentos e farmacêutica também deixaram de ganhar milhões. Caso os animais fossem abatidos no País, o valor gerado seria de R$ 418 milhões, R$ 50 milhões a mais que o obtido com a exportação dos animais vivos.
"O deslocamento da produção de gado para o exterior (exportação) afeta negativamente a oferta doméstica desse produto no mercado interno e reduz o potencial de geração de valor agregado, ou seja, de renda interna e emprego no País", afirma o autor.
Abaixo, a tabela de projeções, realizada pelo economista, caso o País processasse a carne, ao invés de exportar gado vivo.

Além dos prejuízos econômicos, o estudo também aponta para o sofrimento ao qual os bovinos são sumetidos. "Confinados em ambientes impróprios e em condições de superlotação, os animais têm que suportar mudanças extremas de temperatura e ventilação. Além disso, experimentam estresse e exaustão pelo manejo inadequado", descreve.
A taxa de mortalidade nos navios pode chegar a 10% durante a viagem, de até 21 dias, causada por desidratação, traumas e doenças respiratórias. Além disso, é cientificamente comprovado que o transporte por longas distâncias gera perdas na carcaça e altera a qualidade da carne.
A viagem sem fiscalização sobre o transporte é dolorosa para os bovinos. São usados bastões elétricos para conduzi-los, equipamento proibido em qualquer auditoria de bem-esta animal. "Esmagados contra animais estranhos, que não pertencem ao seu círculo social, podem sofrer ferimentos".
O estudo atenta ainda para o fato do Brasil possuir frigoríficos credenciados a produzir a carne Halal, o alimento permitido na religião islâmica, o que possibilitaria a exportação de carne congelada para o Líbano, em substituição à venda de animais vivos.
Gonçalves finaliza seu estudo sugerindo que as metas do Fórum de Competitividade da Indústria de Carnes do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior sejam atendidas. Uma delas é trabalhar na geração de produtos com maior valor agregado.
“A exportação de bovinos deve ser substituída pela exportação de carne, couro e subprodutos. Os inúmeros problemas associados à exportação de gado em pé são evidências categóricas da ineficiência desse tipo de comércio, especialmente para um país em forte desenvolvimento como o Brasil”, conclui o estudo.
O assunto virou tema de uma campanha da WSPA em 2008. Após dois anos de filmagens com câmeras escondidas no interior dos navios, a organização lançou vídeos e elaborou um site, onde coletou assinaturas contra o transporte de gado em pé.
Para a campanha, elaborou dois vídeos (parte um e parte dois) sobre o transporte dos animais na rota Pará-Beirute.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Super links para quem busca informações sobre manejo

Há alguns dias, um produtor entrou em contato comigo pedindo dicas de como implantar um bom manejo em sua fazenda.
Imagino que, como esse, outros se questionam como devem proceder para alterar o modo como os animais são tratados e para implantar uma boa rotina nos currais de suas propriedades. Afinal, é preciso um grande investimento em maquinário, mudança radical das instalações, contratação de novos profissionais?
Consta-me que não. O primeiro passo a ser dado é a busca por informações. Muitos fazendeiros e até mesmo administradores não conhecem os bovinos – sabem pouco sobre o comportamento social destes animais, como eles recebem as informações que lhes são passadas e como pequenas falhas no curral e em demais pontos onde os animais são manejados podem resultar em dificuldades durante a lida diária.
Por isso, neste post, vou listar alguns links que julgo interessantes para quem está buscando informações primárias sobre como implantar o manejo racional em suas fazendas.

  • O Grupo Etco, ligado à Unesp de Jaboticabal, possui um site, onde há vídeos sobre cursos, além de trabalhos publicados e agenda de cursos práticos.

  • Em parceria com a mesma faculdade, também há uma fazenda-modelo, gerida pela FAI do Brasil (Food Animal Iniciative - instituição inglesa que gere os projetos de fazenda-modelo pelo mundo), onde são realizados cursos voltado para produtores e profissionais do ramo.

  • Na biblioteca digital da Unesp, há também um amplo acervo de teses e dissertações disponíveis para download completo, produzidas pelos mestrandos e doutorandos da universidade.

  • O Labea da UFPR (Laboratório de Bem-estar Animal da Universidade Federal do Paraná) também disponibiliza trabalhos acadêmicos para download.

  • No site do beefpoint, o veterinário Renato dos Santos mantém uma coluna sobre manejo racional, onde dá dicas aos produtores e expõe dados sobre os benefícios da lida gentil.

Aos produtores e demais interessados no assunto, desejo boa leitura.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Manejo racional de bovinos leiteiros é tema de curso


O Grupo ETCO, ligado à Unesp de Jaboticabal, irá ministrar um novo curso de manejo racional: desta vez, o foco está nos bovinos leiteiros. O programa conta com noções sobre bem-estar animal e o mundo sensorial dos bovinos. Questões como ponto de fuga e comportamento social dos animais também serão tratadas.
Além das aulas teóricas, a prática contará com a avaliação de pontos críticos nas instalações e com boas práticas na ordenha – desde a condução dos animais até a organização dos animais no curral. Clique aqui e conheça o programa do curso.
O responsável pelo curso será o Prof. Dr. em Bem-estar Animal da Unesp de Jaboticabal, Mateus J. R. Paranhos da Costa.

Informações:
Data: de 25.02. a 27.02.2010
Local: Fazenda Germânia – Taiaçu (SP) [a 373 km da capital paulista]
Vagas: 30
Investimento: R$ 500,00 (pode haver concessão de desconto)
Tels: (16) 3209 1300 / (16) 3202 3430
Inscrições: www.funep.com.br/eventos

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Especialista em manejo racional dá dicas para produtores

Muitos produtores têm interesse em implantar uma lida racional nas fazendas. No entanto, carecem de informações sobre o assunto.

O médico veterinário Renato do Santos presta assessoria a fazendas de todo o Brasil sobre manejo racional. Busca mudar, nos cursos que ministra, a relação dos peões com os animais. É colaborador do site beefpoint.com.br.
Nesta entrevista, ele aponta as melhoras na fazenda quando se adota o manejo racional, tanto para os animais quanto para os trabalhadores. E acredita que o conhecimento é o responsável pela mudança de atitude dentro dos currais.

1. Por que é importante uma lida racional?
A lida gentil, ou seja, não agressiva, vai tornando os animais menos reativos, o que facilita o manejo, diminui acidentes e a necessidade de manutenção ou consertos na infraestrutura da fazenda. Na fazenda, de forma direta, o benefício é a maior satisfação dos funcionários e dos animais, que têm bem menos problemas sanitários, já que o estresse facilita doenças oportunistas. Pelo menor estresse, os animais respondem melhor no ganho de peso. Com certeza, possibilita também à indústria transformar uma matéria-prima de melhor qualidade em características importantes no produto, como maciez, sabor e cor. Há também uma melhora no rendimento de carcaça, já que não haverá necessidade de limpeza devido ao menor número de lesões.

2. Para um trato racional com os bovinos, é importante conhecer aspectos básicos de seu comportamento. Como realizar um bom treinamento com a equipe para o manejo com o animal?
Um manejo racional ou menos agressivo só é possível com conhecimento sobre o animal com o qual se vai trabalhar em quesitos como comportamento, temperamento, visão, audição, enfim: conhecer este animal o melhor possível. Só o conhecimento possibilita aos trabalhadores/peões observar/enxergar o que têm feito de errado ou quais melhorias têm de ser feitas na estrutura da fazenda. O conhecimento possibilita a mudança de atitude. Com treinamento na fazenda, é possível isto acontecer. Os peões são os que mais gostam dos bovinos e, por isto, querem melhorar. Quando enxergam, por meio do conhecimento oferecido no curso [de manejo racional], eles respondem maravilhosamente bem e ficam orgulhosos em aprender.

3. Que características devem ser observadas num peão ao contratá-lo quando o objetivo é garantir uma lida racional?
A característica mais importante é que o peão seja uma pessoa focada no trabalho e que demonstra gostar do que faz. [É importante ser] Calmo, observador, de raciocínio rápido.

4. Você trabalha com treinamento para mão-de-obra. Na fazenda, quais são as dificuldades mais encontradas quando se propõe um manejo com foco no bem-estar animal?
O ponto mais difícil é fazer com que os proprietários participem do treinamento para entender a importância econômica de um manejo racional. No treinamento, é dito e mostrado o que cabe aos peões melhorar e também o que cabe à fazenda, melhorias que, na maioria das vezes, não acontecem. Isso desestimula os trabalhadores.

Bem-estar para garantir mercados


Produzir carne garantindo bem-estar aos animais não é apenas uma questão de qualidade e aumento da lucratividade na produção – também está ligado à manutenção de mercados exportadores.
Há quase dez anos, garantir bem-estar aos animais de produção é prioridade na União Europeia (UE) e no Reino Unido. O Brasil, que tem no bloco um dos maiores mercados para o escoamento da carne bovina produzida aqui, tem motivos para se preocupar. Cerca de 80% dos consumidores europeus acreditam que são responsáveis pelo bem-estar dos animais que consomem e 89% deles acreditam que a produção da carne importada deve seguir as mesmas regras de bem-estar aplicadas pelos produtores europeus, de acordo com pesquisa realizada pela Comissão Europeia, a Eurobarometer
.
Para o Ministério da Agricultura brasileiro, adequar a produção nacional a boas práticas de manejo pode evitar sanções comerciais. “Bem-estar animal é uma questão estratégica para garantir mercados atuais e abrir espaço em novos. O Brasil, como país exportador, tem que garantir bem-estar, porque ele está ligado à qualidade, à segurança do produto e a boas práticas agropecuárias”, afirma a fiscal federal agropecuária da Comissão Técnica de Bem-estar Animal, Andrea Parrilla.
As sanções às quais Andrea se refere são uma realidade com a qual se preocupar. Propostas sobre possíveis barreiras tarifárias a países que não produzam com os mesmos critérios de bem-estar animal do bloco foram apresentadas pelos europeus na OMC (Organização Mundial do Comercio). O Brasil, porém, mostra-se contrário a quaisquer tipos de sanções.
“A UE está perdendo poder de subsídio. Acreditamos que o bloco pode tentar transformar bem-estar animal em barreira comercial, mas desenvolvemos trabalhos nos precavendo a isso. O Ministério acredita que precisamos ter parâmetros estudados e validados no Brasil, de acordo com a realidade brasileira”, afirma Andréa.
Para a fiscal, se o país tiver base científica atestando que os animais estão sendo bem cuidados, terá argumento equivalente nas discussões sobre o assunto.

Afinal, o que é bem-estar animal?

O termo bem-estar animal vem sendo empregado sob uma nova perspectiva: longe de considerações éticas, ele agora é utilizado como um conceito científico no estudo do comportamento dos animais, sob a perspectiva de estes serem “sencientes” (ou seja, capazes de sentir).
Com base nesta premissa, estudos desenvolvidos para analisar índices fisiológicos dos animais apontam que estes são menos produtivos em situações negativas (ligadas ao estresse) e mais produtivos em situações positivas (ligadas ao prazer). Ou seja: ao se sentirem livres de situações de estresse e de sofrimento, os animais produzem mais e os produtores têm maior lucratividade.
Com isso, boas práticas de manejo, tanto nas fazendas quanto nos frigoríficos, garantem maior qualidade aos produtos e menos perdas econômicas. Além disso, garantem mais visibilidade aos produtos e maior inserção em mercados diferenciados.
Estudos sobre assunto vêm sendo feitos desde a década de 1960, mas foi o professor inglês Donald Broom que lecionou pela primeira vez uma disciplina sobre o tema, na Inglaterra em 1.986, no curso de Medicina Veterinária da Universidade de Cambridge.
Estudando as características comportamentais dos animais, o BEA propõe cinco liberdades. Com elas, eles devem estar:
  1. Livres de fome e sede
  2. Livres de desconforto
  3. Livres de dor, ferimentos e doenças
  4. Livres para expressar seu comportamento natural
  5. Livres de medo e angústia
Além do apelo econômico que a adaptação do manejo com os animais possui, o lado ético deste tipo de produção também tem levado produtores a adotar um novo modelo. Muitos consumidores, principalmente de mercados como o europeu e do Reino Unido, têm exigido que as grandes redes varejistas comprem produtos apenas de fazendas sustentáveis, onde os animais não sofram maus-tratos e tenham suas liberdades individuais salvaguardadas.